Fidelidade à dor: será que você tem?

Tem gente que se apega ao sofrimento como quem não se desfaz de um moletom velho: já não aquece, mas é familiar.

Na clínica, não é raro escutarmos histórias que se repetem - relações tóxicas, padrões afetivos e angústias que retornam pelo mesmo caminho, mesmo quando sob circunstâncias (à primeira vista) diferentes. Sem falar das autossabotagens, como quando alguém “quer” resolver um problema (ex. medo de abandono) criando outro (se afastando ou provocando até que o outro confirme seu receio e vá embora).

E não, isso não acontece porque as pessoas gostam de sofrer. Mas porque existe um tipo de fidelidade inconsciente à dor.

Freud chamou isso de compulsão à repetição, uma tendência a reviver situações que nos feriram, mesmo quando dizemos desejar algo diferente. “Aprendemos que o paciente repete ao invés de recordar, e repete sob as condições da resistência” (Freud, 1914).

Lacan, por sua vez, observou que “o que se repete não é o prazer, mas o gozo.” Esse gozo é um prazer estranho, que dói, mas ao qual, ainda assim, nos agarramos.

Muitas vezes, a chamada “zona de conforto” não tem nada de confortável. É apenas conhecida. E o que é conhecido parece menos ameaçador e arriscado do que o novo.

O sofrimento pode ser também uma forma de permanecer próximo de algo que se perdeu. De tentar, sem saber, resolver uma questão que nunca se resolveu. Contudo, repetir não é lembrar. E “esquecer” não basta.

Sair desse ciclo exige mais do que força de vontade, sobretudo quando esse apego já virou parte da identidade. Exige muita escuta e elaboração. Exige coragem pra tocar o que está por trás, para só então poder desarticular a repetição. Porque é aí que o sofrimento deixa de ser destino e passa a ter sentido.

Quando o indivíduo entra em análise, entende que não é sobre apagar a dor, mas deixar de viver em torno dela - e, assim, ser fiel a si mesmo.