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Virada de ano: quando o velho insiste, o novo não nasce

  • Maria Carolina Passos
  • há 4 dias
  • 2 min de leitura

Há sempre algo que insiste em nos prender, mesmo quando já não faz sentido. Ideias antigas sobre quem deveríamos ser, relações das quais nos despedimos pela metade, ideais que seguimos defendendo como quem guarda uma casa vazia.


Mulher coberta de páginas deixando pra resolver seus problemas na virada de ano

Na virada de ano, isso costuma ganhar volume. Pode vir sob a alcunha de ‘autoanálise’, mas muitas vezes é só uma tentativa de negociar com o próprio sintoma - “em janeiro eu mudo” - como se o calendário fosse o agente de transformação, e não nós.


🔎 A psicanálise é menos interessada nas metas que você escreve no papel e mais atenta ao que você não consegue largar. Porque, para Freud, todo nascimento subjetivo supõe um luto: não apenas por alguém, mas por uma fantasia, um ideal, uma versão de si. 


O novo só nasce quando o velho perde o seu lugar e influência. Não por decreto, não por força de vontade (ou falta dela), mas quando o sujeito suporta atravessar a perda simbólica de um modo de gozar. É então que a chave vira - e porventura aquela percepção de ano desperdiçado pode se dissolver.


Não por acaso tantas promessas de janeiro fracassam: porque não basta definir metas ou performar a lógica do empreendedor de si; essa autogovernação, como Foucault denunciou, molda nossos corpos e afetos tal fôssemos projetos em eterna otimização. E aí qualquer desvio desse curso pode ser sentido como falha ou incapacidade.


A clínica mostra outra via: transformação não é gestão. É elaboração. É suportar que algo em nós morra pra que outra coisa (geralmente incerta!) possa emergir. E isso raramente cabe numa lista ou num planner.


Enquanto o mundo corre pra “melhorar”, talvez a pergunta desse fim de ano seja mais discreta e, ao mesmo tempo, mais radical: que lugar interno você está finalmente disposta(o) a desocupar?


Se você prestar atenção, o novo não costuma chegar quando pedimos ou chamamos, mas quando efetivamente abrimos espaço.

 
 
 

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©2025 - Psicanalista Maria Carolina Passos

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