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Oi, tudo bem?

  • Maria Carolina Passos
  • 24 de nov.
  • 2 min de leitura

“Oi, tudo bem?” Essa saudação tão automática sempre me provocou uma certa inquietação, e eu só fui entender por quê depois de iniciar meu percurso na psicanálise. É que, no fundo, essa pergunta não pergunta nada. E a resposta tampouco responde.


Em geral a pessoa fala que tudo bem, tudo indo, tudo ótimo. Minutos depois vêm as queixas, dores, ansiedades, pedidos e preocupações. Ou então quem primeiro pergunta, não responde o “e contigo?” - em alguns casos por não querer incomodar.


Montagem artística em tons de cinza de uma mulher com os dedos tapando os ouvidos. A área do rosto onde estariam os olhos e parte da testa foi recortada e substituída pela imagem colorida de um mar calmo. Os lábios da mulher também estão coloridos em azul. A imagem acompanha uma reflexão da psicanálise sobre a resposta automática ‘tudo bem’ e sobre como ela pode ocultar o que realmente nos atravessa.

Mas então, por que responder que tudo bem quando não está? Pra que perguntar se não quer saber?


A psicanálise pode ajudar a revelar essa cena banal como algo menos óbvio. Ao mesmo tempo um rito civilizatório e um gesto de cortesia defensiva, o “tudo bem” mantém o encontro higienizado, protegido de nossos desejos e do que realmente nos atravessa. É a etiqueta operando como defesa - não contra o outro, mas contra o que em nós mesmos poderia escapar.


Porque responder que “não estou bem” implica abrir uma fenda. Requer confiança, desejo de ser ouvido e a disponibilidade real de quem escuta - e isso, convenhamos, nem sempre existe.


Paradoxalmente, quando alguém responde sempre que “tudo ótimo”, pode estar justamente tentando chamar atenção para o contrário, mas sem assumir o risco diretamente. A mensagem real fica ali, nas margens do discurso e de uma tentativa de se alinhar ao ideal do eu, de parecer adequado e equilibrado.


Afinal, ninguém quer incomodar o outro com seus problemas e demandas, mas incomoda mesmo assim. Claro, de forma menos assumida, mais suportável, mais educada - e inconsciente.


É quando essa cena começa a se repetir - quando o “tudo bem bem bem” entra em curto-circuito com a vida real - que pode ser hora de buscar espaço pra falar de verdade. Não pra dar explicações perfeitas sobre si, mas sustentar o que não cabe nesse automatismo.


Às vezes, o início de um tratamento nasce aí: no momento em que um “aham, tudo” dói mais que a verdade que ele enclausura.


E se o que você tem escondido atrás dos tudo bens quiser espaço, a gente pode conversar.

 
 
 

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©2025 - Psicanalista Maria Carolina Passos

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